segunda-feira, dezembro 11, 2006

Coisa ruim não morre*

“Os bons partem cedo”. O ensinamento dessa frase é bem claro: seja mau e viverá bastante. É quase uma ameaça. Ou uma receita. Ditadores sanguinários só morrem prematuramente quando se suicidam. Antes de recomendar aos pacientes que pratiquem exercícios físicos, parem de fumar, evitem gorduras, frituras, açúcar e estresse, os médicos deveriam ser categóricos: exercite a maldade.

Não, não adianta torturar animais, roubar criancinhas e outras atitudes covardes, ser realmente mau é ter peito para cometer atrocidades contra quem pode se defender. É um esporte radical. Claro que um médico jamais recomendaria um assassinato, embora assassinos frios, em regra geral, morram bem velhinhos. Maltratar psicologicamente seus entes queridos, desenvolvendo a capacidade de não sofrer, é a forma mais segura e tranquila de garantir longevidade. É necessário um trabalho de reestruturação emocional para que o sentimentalismo inútil não atrapalhe o processo. Sofrimento mata, causa doenças degenerativas, é contraproducente. O objetivo é torturar o outro, não a si próprio.

Altruísmo, bondade extrema, compaixão e amor ao próximo são ingredientes para uma vida curta. O altruísta confia no maldoso, decepciona-se, adoece e morre, não se engane. A confiança é a pior das drogas. O maldoso, ainda que fique doente, dificilmente estica as canelas antes de atingir a nona dezena de vida. Vão-se os pais, os irmãos, os sobrinhos, os inimigos, o cônjuge, a maior parte dos filhos, talvez até alguns netos, mas ele permanece, incólume. Quando, enfim, começar a reconsiderar sua vida, enxergar seus erros, pensar que talvez pudesse ter feito diferente, é certo: sucumbirá à doença ou morrerá dormindo. Se ele nunca cair no erro de repensar sua existência, comemorará seu centenário, com direito a bolinho no asilo.

Evidente, o médico tem o dever de alertar o paciente interessado em uma longa e maldosa vida, sobre os efeitos colaterais da escolha. Os verdadeiros amigos serão os primeiros a morrer, sobrando apenas os puxa-sacos, os interesseiros e os inimigos (essas três características, é importante ressaltar, podem estar presentes em uma só pessoa). A vida cercada por tais indivíduos e temperada com uma certa dose de desconfiança (necessária, para evitar as fatais decepções) e controle total de reações emocionais, pode tornar-se um tanto quanto desagradável, cansativa, pesada. Para evitar que, na busca pela longevidade, perca-se a vontade de viver, deve-se buscar uma meta. Pode ser dinheiro, pode ser posição social, pode ser qualquer coisa que não exija grande envolvimento emocional.

Dos sentimentos básicos, a inveja é permitida, o ódio, muito bem dosado (pois interfere na saúde), mágoas precisam ser esquecidas, assim como amor, tristeza e nostalgia. Impulsionado pela meta, o indivíduo empenha-se em atropelar tudo e todos, sem jamais concluir a tarefa.


*Exercício do curso de formação de escritores e agentes literários, da Unisinos.

PS: Não levem a sério, tá? Isso foi um exercício da faculdade, dentro do tema proposto. (Ou amanhã vai ter maluco dizendo que eu acredito que as pessoas devam ser maldosas e que ando por aí como arauto da psicopatia).