Me pediram uma foto, uma frase de um escritor como epígrafe, uma lista de livros preferidos e uma frase de próprio cunho que me defina. Demorei um bocado, indecisa que sou, para escolher a foto, a frase do escritor e fazer a lista de livros e autores favoritos. Na hora de escrever uma frase que me definisse, achei que soaria meio artificial construir alguma coisa assim, do nada, então resolvi procurar em textos antigos uma frase minha que me definisse, de verdade. O fato é que encontrei tantas que as agrupei em blocos ridículos e desconexos e elas são todas tão ruins que - achando que seria um grande desperdício escolher apenas uma e ignorar as quatrocentas e sessenta e cinco mil restantes - decidi utilizar esse espaço para elencá-las, somadas a alguns fragmentos maiores de textos. Assim deve ficar mais fácil escolher alguma ou inventar uma nova a partir de todas essas. Talvez seja uma forma de fazer com que me conheçam melhor, talvez seja um modo mais rápido de convencer alguém a me internar no hospício. Quem sabe?
“Sou massinha de modelar. Assim, como aquelas que gosto de transformar em frutas, animais, rostos. Misturo cores, fico horas pensando em um novo formato, arrisco daqui e dali e sei que nunca vai secar. Pode até derreter um pouco, mas secar, jamais.”
“Sou fã de espaços. Espaços são mais importantes do que letras grandes, para mim. Sem eles, tudo se embaralha horrivelmente, mesmo com óculos.”
“Algumas pessoas nascem prontas para seguir rotinas, outras vêm com defeito de fabricação. Eu sou uma delas. Totalmente desprovida de senso de direção, noção de horários e agenda biológica de compromisso, sou escrava de anotações. ”
“Mais uma pessoa, como qualquer outra. Do mesmo tamanho das outras, do mesmo formato que as outras, talvez com um pouco mais de cabelo. Igual. Justo eu, que me sinto tão única, tão especial, tão diferente, sou exatamente igual a qualquer um.”
“Dá um pequeno desespero saber que todas aquelas pessoas que passam por mim são histórias que ficarão sem ser contadas, coisas que eu jamais saberei, que ninguém vai me dizer. E o conhecimento ao qual tenho acesso é tão mínimo diante da imensidão desse mundo e de tanta informação existente, que eu sou uma formiguinha carregando um minúsculo grão de açúcar, como se fosse grande coisa.Meu maior problema com a multidão é saber que ela passa por mim e não volta para contar a história. ”
“Eu sou a pessoa mais mal interpretada do universo, por isso às vezes tenho vontade de ficar calada em um canto, apenas ouvindo, com um sorriso discreto, porque qualquer interferência minha pode ser tomada de forma equivocada. Deve ser um dom.”
“Fui me reconstruindo, tapando os buracos, refazendo, redescobrindo e quando vi, me tornei uma pessoa que eu não conheço. Virei uma pessoa over. Tudo o que eu não tinha agora tenho em excesso. Facilmente mal interpretada, completamente exposta, às vezes com uma vontade horripilante de encontrar uma concha e virar ostra.”
“Sou muito ruim com metáforas desde o dia em que resolvi ser clara. Sou muito ruim com disfarces desde quando decidi ser autêntica. Sou muito ruim com palavras, desde que comecei a escrever. Algumas coisas são ruins comigo e isso eu realmente não sei explicar.”
“Não sou prepotente, não sou pretensiosa. Sempre soube que eu era um embuste. Na verdade acho que todo mundo pensa isso de si mesmo, vez ou outra. Porque só nós sabemos o tamanho das nossas fraquezas, dos nossos medos, da nossa insegurança, dos nossos erros… O olho humano vem com uma lente de aumento para as coisas ruins e as coisas boas estão todas escritas em letras miúdas.”
“Hoje não sei o que dizer, por isso não digo nada. Me escondo um pouco, descanso os olhos. Deixo de lado a minha vida para viver outras vidas, por alguns instantes.”
“Sou uma esponja que suga todas as influências ao redor e libera, se espreme, ao correr de uma caneta sobre o papel. Impeçam-me de escrever e eu morro inchada.”
“Costumo dizer que sou um felino, mais especificamente um gato, que gosta de paz, e sossego, sombra, carinho e água fresca, que prefere ficar em casa a sair por aí, se cansando. Gato castrado, obviamente, sem o stress hormonal que faz com que o pobre bicho contrarie sua natureza e viva na rua.”
“O ideal mesmo é eu poder escrever em um lugar com ar condicionado. Aí você terá uma Vanessa com 100% de sua capacidade mental e humor inabalável. Se além disso houver uma barra de chocolate, pode ter certeza de que terá uma ótima companhia para qualquer coisa.”
“São umas cinco lixas de unha assassinas que, juntas, cometem diversas atrocidades contra qualquer coisa que caia, incauta, dentro da bolsa. A carinha vermelha do meu celular já está quase branca, nada permanece com tinta, os papéis começam a se desfazer e canetas, óculos, o próprio visor do celular, tudo, tudo, tudo começa a ficar riscado. Eu achava que era algum campo magnético destrutivo interessado em desintegrar minhas coisas, mas quando meus óculos de sol ficaram esteticamente prejudicados por terem sido largados desprotegidos dentro daquele ambiente, desconfiei das lixas de unha. Posso dizer que encontrei as impressões digitais delas nas lentes. É uma quadrilha.”
“Por que é que eu consigo acumular tanta coisa? Comprar tanta coisa? Ajuntar tanta coisa? Empilhar tanta coisa? Amontoar tanta coisa? Por que eu não sou uma pessoa mais resumida, compacta, organizada, sintética? Por que meus textos têm que ser enormes? Coleciono palavras inúteis, papéis soltos, fotos fora do álbum, tiro as coisas das embalagens para que se sintam livres e elas se espalham…”
“Sabe aqueles perus de natal que a gente coloca no forno e que apitam quando prontos? Pois é, apitei hoje. Sou praticamente um peru de natal, metaforicamente falando, por favor. Apito. E saio do forno. Já sou meio bolo, algo estranho, um bolo de peru que acabou de sair do casulo. Sim, por mais intragável que eu pareça, garanto a qualidade.”
“Eu não fumo, nem bebo, então sou um ser saudável, mesmo que ligeiramente sedentária. Ando bastante e pretendo voltar à musculação. Menos pela saúde, mais pela estética, afinal de contas, no fundo, no fundo, eu sou superficial. E não quero chegar aos quarenta, cinquenta, lamentando que meu mundo caiu, ou que alguma outra coisa minha caiu. Mas é uma eterna crise de consciência. O trabalho braçal desvia a energia que poderia estar sendo usada pelo cérebro para o trabalho intelectual. Se não for verdade, ao menos é uma boa desculpa.”
“Sou um xarope concentrado, enjoativo, quase venenoso. Deve-se tomar em pequenas doses. Virei uns três vidros de mim nos dias que se passaram e enjoei.”
“Não sei escrever. Sei construir, derramar, tingir, pintar. Desenho as letras como gostava de desenhar rostos, quero perfeição e nunca consigo, prefiro pecar por excesso do que por omissão, sombreio bastante para dar realismo.”
“Por que devemos guardar as coisas em gavetas? Eu sempre encontro as coisas quando elas não estão guardadas, e sempre as perco quando estão. Querem nos fazer acreditar que perderemos aquilo que deixarmos fora das caixas, gavetas e garrafas enquanto sabemos que é bem o contrário. Por que nos dobramos a isso então? Por que dobramos?
Por que dobramos as roupas nas gavetas? Por que simplesmente não as deixamos emboladas, como elas gostam de ficar, naturalmente?
Eu ando espalhada, fora minhas garrafas de roupas no armário. Por dentro sou assim, não sou uma pessoa dobrada. Alguém me disse que nosso armário revela quem somos por dentro. Seria preocupante, se eu já não soubesse.”
“Durante muito tempo observei. Observei demais, falei pouco, com medo de falar bobagem. Há algum tempo o medo de falar bobagem passou, e passei a falar bobagem demais.”
“Todas as palavras que procuro, encontro em minha língua inventada. E posso ficar horas inventando histórias com milhares de palavras, sem repetir nenhuma, escrevendo contos intermináveis em minha cabeça e descortinando versos inexistentes.
A única parte ruim é que ninguém entende minha língua inventada. Como as palavras partem da minha cabeça, só a minha cabeça consegue decodificá-las. Não quero escrever um dicionário, dicionários aprisionam palavras. Não posso colocá-las em fila indiana e inventar regras gramaticais, porque elas se intimidariam e desistiriam de nascer.
Então fecho meu livro inventado, aquele que vive dentro da minha cabeça, guardo a caneta inventada, o gravador que dita palavras, que as mistura, modifica, inventa, renova. Guardo tudo naquela gaveta em que convivem alegremente as minhas coisas bagunçadas, dentro de minha inestimável caixa craniana. Procuro as palavras no idioma conhecido, esse, que uso para escrever este texto. Não as encontro. Procuro novamente. Trabalho ingrato.
Se quiser escrever para não ser lida, uso minhas palavras inventadas. Se houver quem me leia, tenho que me fazer entender, comunicar-me usando as palavras antigas, aquelas repetidas, que todo mundo entende. É quando guardo a liberdade em caixinhas e me esforço para fazê-la parecer que tem asas.”