Recolhera em um cesto as roupas sujas do sacerdote. Já era dia vinte e oito, quase trinta dias passados desde a última vez em que vira aquela mancha no lençol. Era sagrado: de quinze em quinze dias o lençol era lavado, as roupas de dormir também e o colchão tinha que ser colocado discretamente ao sol. Nunca tinha ficado mais de vinte dias sem o alívio que vinha do sonho.
Lembrou da primeira vez em que recebeu o lençol sujo e, assustada, ouviu do padre a recomendação de colocar o colchão para secar ao sol. Já tinha visto isso acontecer com seu irmão, mas ele era um adolescente pecador, devasso, não deveria ser assim também com o padre. Ela tinha quinze anos, era seu terceiro dia como lavadeira e ele teve a paciência de explicar que aquilo que ela via nada tinha a ver com pecados da carne, chamava-se polução noturna e era uma forma que Deus havia criado para esvaziar o depósito de sêmen quando o homem era casto. Segurou um risinho, será que seu irmão Otávio, que alardeava ser o maior garanhão da vila, era casto? Se o padre dizia… De fato, quando arranjou namorada fixa, Otávio parou de colocar o colchão na varanda para secar. Depois teve filho e casou, ficou claro que a castidade tinha ido para a lua. Mas não a do Padre Fernando. Depois de dez anos ele ainda continuava a lhe entregar a prova de sua castidade a cada quinze dias, contados no calendário. Certo dia se atrasou dois dias, outro, veio três dias adiantado, mas deve ser como a menstruação das mulheres, atrasa, adianta, mas vem.
Ela também era casta, não queria conversa com homem, sua vida era o padre. Começou como lavadeira, agora fazia quase todos os serviços e descobrira em Padre Fernando um homem dedicado e sincero, de sorriso puro, bem diferente do Padre Afonso, que tinha olhar lascivo e fazia brincadeiras de mau gosto, ou do Padre Rodolfo, que vivia com crianças e adolescentes e depois que leu alguma coisa no jornal sobre um padre que fazia maldades com crianças, ela começou a desconfiar. Irene, lavadeira do Padre Rodolfo, disse que a última vez em que teve que colocar o colchão ao sol foi em 1990. Casto ele não era. Não mesmo.
Quinze dias era o prazo certo, dezoito dias era o máximo, mas quase trinta? Quase trinta era muita coisa. Será que ele pecou? Será que saiu com alguma dona? Talvez aquela loira que vivia se confessando, ou aquela morena de pernas grossas que usava minissaia na missa e sentava no primeiro banco? Não, Padre Fernando era casto. Será que ele caiu na tentação da carne? Teria se masturbado no banheiro, longe dos lençóis? Não, ele não faria isso, não faria mesmo. Mas trinta dias era muita coisa para quem funcionava de quinze em quinze dias. Se fechasse trinta dias ela iria perguntar, ele teria que dizer, que confessar, não era justo, ela lavava sua roupa e cuidava da casa há dez anos, dez anos sem outra vida, dez anos de dedicação, não era justo que ficasse nessa dúvida, nessa angústia.
Ele era um homem alto, alto e bonito. Forte, olhar suave, sorriso que derreteria o coração de qualquer mulher, se ele não fosse padre. Ah, mentira, mesmo ele sendo padre ela sabia que quase todas as mulheres da paróquia se derretiam por aquele sorriso. Era um interesse estranho, se interessavam porque ele era padre, mas se ele se interessasse por elas, não poderia mais ser padre, e não sendo ele mais padre, elas não se interessariam mais por ele. Mas ela o conhecia além da batina. Ela lavava sua batina, passava e deixava estendida para que ele a usasse. Ela queria que ele a usasse. Ele era muito mais do que um padre, era especial. Enviado de Deus para aquela paróquia depois da morte do Padre Alberto.
Era difícil de limpar. Se espalhava pelo lençol de baixo, enchia a mão, encostava no lençol de cima, ensopava o pijama, e ela pensava na triste sina de todo aquele líquido. Tinha sido feito para estar dentro de uma mulher, para gerar um filho, e agora jazia, inerte, à morte, naquela cama. Jamais estaria dentro de uma mulher, jamais geraria um filho. Triste, muito triste que Deus faça um homem com todos esses líquidos para não deixar que ele os use. Se os padres são predestinados por Deus para serem padres, por que não nascem sem a função masculina? Por que precisam produzir sêmen e sujar a roupa de cama de quinze em quinze dias? Será que o sêmen dos padres é igual ao dos outros homens? Será que tem sementinha também?
Quase trinta dias. Ela estava preocupada. Será que ele caiu em pecado? Ou terá virado santo? Talvez, finalmente, Deus tenha tirado dele essas coisas inúteis reprodutivas. Não deve ter mais desejo nenhum, nem glândula e aquelas coisas que ele explicou, não deve mais ter polução noturna porque alcançou a santidade. Nesse caso, ela nunca mais teria que colocar seu colchão ao sol, discretamente, para esconder aquele segredo que era só dos dois. Mas ele diria, se houvesse a possibilidade da santidade ele diria quando explicou sobre a polução noturna “padre também é homem” ele disse, certa vez. Não ele. Ele era mais.
Talvez ele tenha caído no pecado da masturbação. Ela também de vez em quando não resistia. Deitada, em sua cama, aqueles pensamentos pecaminosos devastavam sua mente e ela se espalhava pelo lençol de baixo, enchia a mão, encostava no lençol de cima, ensopava o pijama, queria que ele a usasse, na tentação da carne, e a deixasse à morte, naquela cama. Depois rezava, rezava, rezava e se punia, se penitenciava. Na semana anterior, finalmente, reuniu coragem para se confessar. Contou tudo. Falou das noites em que pensava nele, falou do líquido, falou da carne, do lençol, do travesseiro, da vez em que deitou sobre o colchão, que sentiu o gosto, que ignorou a castidade, a sua castidade, a dele, do quanto era dele. Falou tudo, ele, calado. No final, recomendou-lhe as rezas que ela já sabia de cor. E calou-se.
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Professor: Fabricio Carpinejar
Exercício: Texto livre: o depoimento da lavadeira do padre, que recebe suas roupas sujas após polução noturna.