quarta-feira, agosto 30, 2006

Castidade

Recolhera em um cesto as roupas sujas do sacerdote. Já era dia vinte e oito, quase trinta dias passados desde a última vez em que vira aquela mancha no lençol. Era sagrado: de quinze em quinze dias o lençol era lavado, as roupas de dormir também e o colchão tinha que ser colocado discretamente ao sol. Nunca tinha ficado mais de vinte dias sem o alívio que vinha do sonho.


Lembrou da primeira vez em que recebeu o lençol sujo e, assustada, ouviu do padre a recomendação de colocar o colchão para secar ao sol. Já tinha visto isso acontecer com seu irmão, mas ele era um adolescente pecador, devasso, não deveria ser assim também com o padre. Ela tinha quinze anos, era seu terceiro dia como lavadeira e ele teve a paciência de explicar que aquilo que ela via nada tinha a ver com pecados da carne, chamava-se polução noturna e era uma forma que Deus havia criado para esvaziar o depósito de sêmen quando o homem era casto. Segurou um risinho, será que seu irmão Otávio, que alardeava ser o maior garanhão da vila, era casto? Se o padre dizia… De fato, quando arranjou namorada fixa, Otávio parou de colocar o colchão na varanda para secar. Depois teve filho e casou, ficou claro que a castidade tinha ido para a lua. Mas não a do Padre Fernando. Depois de dez anos ele ainda continuava a lhe entregar a prova de sua castidade a cada quinze dias, contados no calendário. Certo dia se atrasou dois dias, outro, veio três dias adiantado, mas deve ser como a menstruação das mulheres, atrasa, adianta, mas vem.

Ela também era casta, não queria conversa com homem, sua vida era o padre. Começou como lavadeira, agora fazia quase todos os serviços e descobrira em Padre Fernando um homem dedicado e sincero, de sorriso puro, bem diferente do Padre Afonso, que tinha olhar lascivo e fazia brincadeiras de mau gosto, ou do Padre Rodolfo, que vivia com crianças e adolescentes e depois que leu alguma coisa no jornal sobre um padre que fazia maldades com crianças, ela começou a desconfiar. Irene, lavadeira do Padre Rodolfo, disse que a última vez em que teve que colocar o colchão ao sol foi em 1990. Casto ele não era. Não mesmo.

Quinze dias era o prazo certo, dezoito dias era o máximo, mas quase trinta? Quase trinta era muita coisa. Será que ele pecou? Será que saiu com alguma dona? Talvez aquela loira que vivia se confessando, ou aquela morena de pernas grossas que usava minissaia na missa e sentava no primeiro banco? Não, Padre Fernando era casto. Será que ele caiu na tentação da carne? Teria se masturbado no banheiro, longe dos lençóis? Não, ele não faria isso, não faria mesmo. Mas trinta dias era muita coisa para quem funcionava de quinze em quinze dias. Se fechasse trinta dias ela iria perguntar, ele teria que dizer, que confessar, não era justo, ela lavava sua roupa e cuidava da casa há dez anos, dez anos sem outra vida, dez anos de dedicação, não era justo que ficasse nessa dúvida, nessa angústia.

Ele era um homem alto, alto e bonito. Forte, olhar suave, sorriso que derreteria o coração de qualquer mulher, se ele não fosse padre. Ah, mentira, mesmo ele sendo padre ela sabia que quase todas as mulheres da paróquia se derretiam por aquele sorriso. Era um interesse estranho, se interessavam porque ele era padre, mas se ele se interessasse por elas, não poderia mais ser padre, e não sendo ele mais padre, elas não se interessariam mais por ele. Mas ela o conhecia além da batina. Ela lavava sua batina, passava e deixava estendida para que ele a usasse. Ela queria que ele a usasse. Ele era muito mais do que um padre, era especial. Enviado de Deus para aquela paróquia depois da morte do Padre Alberto.

Era difícil de limpar. Se espalhava pelo lençol de baixo, enchia a mão, encostava no lençol de cima, ensopava o pijama, e ela pensava na triste sina de todo aquele líquido. Tinha sido feito para estar dentro de uma mulher, para gerar um filho, e agora jazia, inerte, à morte, naquela cama. Jamais estaria dentro de uma mulher, jamais geraria um filho. Triste, muito triste que Deus faça um homem com todos esses líquidos para não deixar que ele os use. Se os padres são predestinados por Deus para serem padres, por que não nascem sem a função masculina? Por que precisam produzir sêmen e sujar a roupa de cama de quinze em quinze dias? Será que o sêmen dos padres é igual ao dos outros homens? Será que tem sementinha também?

Quase trinta dias. Ela estava preocupada. Será que ele caiu em pecado? Ou terá virado santo? Talvez, finalmente, Deus tenha tirado dele essas coisas inúteis reprodutivas. Não deve ter mais desejo nenhum, nem glândula e aquelas coisas que ele explicou, não deve mais ter polução noturna porque alcançou a santidade. Nesse caso, ela nunca mais teria que colocar seu colchão ao sol, discretamente, para esconder aquele segredo que era só dos dois. Mas ele diria, se houvesse a possibilidade da santidade ele diria quando explicou sobre a polução noturna “padre também é homem” ele disse, certa vez. Não ele. Ele era mais.

Talvez ele tenha caído no pecado da masturbação. Ela também de vez em quando não resistia. Deitada, em sua cama, aqueles pensamentos pecaminosos devastavam sua mente e ela se espalhava pelo lençol de baixo, enchia a mão, encostava no lençol de cima, ensopava o pijama, queria que ele a usasse, na tentação da carne, e a deixasse à morte, naquela cama. Depois rezava, rezava, rezava e se punia, se penitenciava. Na semana anterior, finalmente, reuniu coragem para se confessar. Contou tudo. Falou das noites em que pensava nele, falou do líquido, falou da carne, do lençol, do travesseiro, da vez em que deitou sobre o colchão, que sentiu o gosto, que ignorou a castidade, a sua castidade, a dele, do quanto era dele. Falou tudo, ele, calado. No final, recomendou-lhe as rezas que ela já sabia de cor. E calou-se.

Professor: Fabricio Carpinejar

Exercício: Texto livre: o depoimento da lavadeira do padre, que recebe suas roupas sujas após polução noturna.

Data da aula: 23 de agosto de 2006

Um novo olhar

Não enxergava mais como antes, desde o aniversário de quinze anos da filha. Para ler, precisava afastar o livro do rosto, ou as letras embaralhavam-se. Vivia cansada, com dores de cabeça, não conseguia mais enxergar o buraco da agulha e as camisas do marido ficavam sem botão, definitivamente. As reclamações eram tantas que certo dia as camisas sem botões ficaram sem dono, definitivamente. Foi ao oftalmologista e descobriu a presbiopia, o médico explicou que era uma consequência natural do envelhecimento, os músculos oculares perdem a flexibilidade e o cristalino torna-se menos elástico, perdendo sua capacidade de acomodação, por isso a dificuldade de enxergar de perto, por isso a necessidade de mais luz para ler. Ele definiu a presbiopia como uma condição óptica onde as modificações produzidas pela idade diminuem de modo irreversível o poder de acomodação.

Há tempos percebia isso, a falta de flexibilidade, a dificuldade em enxergar de perto, a necessidade de afastar objetos, pessoas, sentimentos. Com o passar do tempo ela, que era apenas exigente ao escolher um homem, tornara-se seletiva demais, quase intolerante. Inflexível, como seu cristalino. Quando mais novos, somos mais flexíveis, aceitamos melhor os defeitos do outro e conseguimos um bom relacionamento mesmo com as diferenças, com o passar do tempo, perde-se a flexibilidade, a elasticidade, a capacidade de adaptar-se facilmente ao que está perto. Perdera a capacidade de acomodação, sentia-se incomodada com a falta de luz nos relacionamentos, queria tudo às claras. Ao mesmo tempo, enxergava melhor de longe. Quanto mais perto estivessem as pessoas, menos ela conseguia vê-las, só notava a presença à distância.

Sem perceber, ela afastava as pessoas, afastava os homens, os filhos, a família, porque precisava enxergá-los melhor, afastava o jornal, a agulha e a linha, afastava de seus olhos o que necessitava urgentemente de ver. Tornara-se seletiva, ela sabia, porque agora só enxergava de longe, só conseguia ver o que estava lá na frente, ao contrário de antes, em que pensava no hoje, no imediato, ela agora escolhia olhando o futuro, para saber se seus filhos cresceriam bem com aquele padrasto, se haveria algum depois para aquele relacionamento, tentava adivinhar se conseguiriam ficar juntos depois do jantar, depois da cama.

Passara tempo demais olhando para o passado, os anos escorregavam, as crianças cresciam, não havia mais tempo para viver de ensaios. Não era exigente, era precavida. Descobriu que quando se aproximava demais, não enxergava nada, era devorada pelos sentimentos e não conseguia pensar em futuro algum, sobrava apenas um dia após o outro, que ela só só enxergava ao se afastar. Não conseguia mais imaginar-se com qualquer um só para não ficar sozinha, não conseguia conceber a hipótese de arrastar um relacionamento morno ou falido só porque já se habituara ao cansativo homem com quem dividia a cama. Preferia ficar sozinha a perder tempo, precisava pensar em depois, precisava olhar longe, perdera a capacidade de acomodar-se.

Agora, porém, os olhos falhavam, os braços não eram suficientemente longos para ler as revistas de que tanto gostava, afastava as pessoas, o máximo possível, e sentia-se confortável para ler suas intenções, à distância. Alguém dissera que a presbiopia tende a se estabilizar após os sessenta e cinco anos. Se aquilo era verdade, ela tinha pelo menos mais vinte e cinco anos para aproveitar tudo o que a instabilidade tinha a lhe ensinar.

Professor: Fabricio Carpinejar

Exercício: Utilizando-se da personagem delineada na investigação do inventário, escrever uma crônica fazendo uma relação entre a presbiopia (enxergar mal de perto depois dos 40 anos) e o fato de ser seletiva nos relacionamentos. O texto deve ser em primeira pessoa, como se você fosse essa personagem (com exceção da Vanessa, que deve fazer um texto em terceira pessoa).

Data da aula: 23 de agosto de 2006

O Filho da Puta

A expressão “filho da puta” é ímpar. Existem poucos momentos no português em que o significado que nossa alma exige e o vocábulo escolhido se encontram de maneira tão intensa. Esse encontro nos produz uma satisfação, tanto de palavra plena, como uma idéia de que dissemos o que tínhamos para ser dito. Porém, se no plano emocional o resultado é impagável, quando nos pomos a raciocinar sobre o que foi mesmo que proferimos podemos nos embaraçar um pouco. Inegavelmente a expressão é forte e ampla, mas na mesma medida é inapreensível e vaga. E convenhamos, já é tempo de desfazer sentidos óbvios, cada vez menos acreditamos que a genitora estaria relacionada com o destino ignóbil de sua cria.

Essa indefinição é um problema sério. Afinal, a realidade é que estamos bastante rodeados de filhos da puta e deles pouco sabemos. Nosso esforço será então estabelecer algumas linhas de pensamento para definir o problema e aproximar-nos da essência do filhadaputismo. Sabemos que nosso objetivo por enquanto é impossível, mas podemos sonhar com o dia em que possamos ouvir da boca de um juiz: “- caro senhor, o processo por difamação não procede. O senhor é realmente, estrito senso, um filho da puta.” Ou seja, que o vocábulo tenha chegado ao um sentido quase científico, inclusive de valor legal.

Infelizmente, porém, a probabilidade maior é que tenhamos que alterar o “filho da puta”, é mais fácil a expressão cair em desgraça do que abstrair-se de seu valor literal e adquirir um sentido científico. Criada em um tempo em que mulheres se casavam virgens, mães solteiras eram vistas como prostitutas (a maioria acabava migrando para a prostituição mesmo) e a prostituição era uma profissão mal vista pela sociedade, o vocábulo tornou-se uma das melhores formas de ressaltar a inferioridade (principalmente do caráter) de alguém e, de quebra, ofender-lhe a mãe.

Hoje, quando quase ninguém se casa virgem, mães solteiras são tão comuns quanto mães casadas e a prostituição é vista com admiração e respeito, não seria de se estranhar que alguma prostituta enxergasse o preconceito que essa expressão carrega consigo. O fato de uma mulher ser profissional do sexo não a faria (segundo a concepção que temos atualmente, não segundo o que era certo na época em que o “palavrão” foi criado) pior ou menor do que ninguém, assim como seus filhos não seriam inferiores ou menos dignos do que os filhos de uma executiva ou de uma lavadeira. Sendo assim, a expressão “filho da puta” correria o sério risco (e já corre, imagino) de se transformar em um daqueles termos politicamente incorretos, a serem banidos de uma sociedade civilizada.

E ficaríamos sem o libertador palavrão, já que a pessoa que chamasse alguém de “filho da puta” correria o risco de levar um processo e ser rotulado de preconceituoso. As prostitutas pagam impostos, lutam pela regulamentação da profissão, se organizam em sindicatos e escrevem best-sellers. Em pouco tempo, chamar um indivíduo de “filho da puta” será um belo elogio. Nas palavras da socióloga e presidente do Sindicato das Prostitutas do Rio de Janeiro, Gabriela Leite, “Em países como a Alemanha e a Holanda, onde a prostituição é regulamentada, as “profissionais do sexo” têm seus direitos trabalhistas garantidos como qualquer outro profissional. A exemplo desses países, a prostituição precisa ser considerada por todos os governos que defendem uma sociedade justa, sem violência, sem discriminação e, principalmente, sem preconceito.”

Com tantas prostitutas, de luxo (as eufemísticas “garotas de programa” ou “acompanhante de executivo”), de boate, de estrada ou de esquina, de um cliente só ou de vários, tendo filhos por amor, por descuido ou por vontade, estamos cercados de filhos-da-puta sem nos darmos conta, em diversas áreas da sociedade, em todos os níveis sociais. Em uma visita ao fórum, por exemplo, é fácil encontrar um juíz que seja filho da puta, mais fácil ainda é encontrar um advogado que seja filho da puta (pelo simples fato de estarem em maior número), muito provavelmente você tenha um vizinho que seja filho da puta, um chefe que seja filho da puta e todos nós já votamos em algum político que era (e jamais desconfiamos) filho da puta. Talvez todos filhos da mesma puta, ou de putas diferentes, não nos cabe fazer intromissões na vida privada dos indivíduos.

Em breve teremos que encontrar um correspondente à altura para substituir o “filho da puta”, que, após sobreviver durante tantos séculos, depara-se com uma época em que termos não conseguem ser dissociados de seu sentido literal e que o preconceito atinge com violência um inofensivo filho da puta que não tinha a menor intenção de ofender a mãe - ou a profissão - de ninguém.

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Professor: Mario Corso

Exercício: Os dois primeiros parágrafos foram escritos pelo professor, a proposta é escrever um ensaio, encontrando a saída para o conflito proposto.

Data da aula: 30 de agosto de 2006

terça-feira, agosto 22, 2006

A Barreira do Absurdo

No sábado cheguei de viagem, meu pai me recebeu na rodoviária e me levou para casa. Conversamos frivolidades, marcamos um churrasco para sexta, ele ficou brincando com minha sobrinha na sala enquanto eu fui ao quarto, para desfazer as malas. Saiu sem se despedir de mim, certamente com pressa. Não estranhei, ele estava sempre apressado. O domingo transcorreu tranqüilo, pensei em ligar para ele, mas preferi deixar para segunda à tarde, eu não gostava de telefonar no final de semana porque sua mulher atendia sempre de má vontade.

Nunca convivemos, ele saiu de casa quando eu tinha apenas um ano, minha mãe criou sozinha os cinco filhos, eu era a caçula. Meu pai fazia visitas eventuais e ultimamente estava sempre ocupado. Não tirava férias há doze anos, fumava muito, se estressava demais, andava como se tivesse um peso enorme sobre os ombros.

Na segunda-feira pela manhã fui acordada por minha irmã. Sentou-se aos meus pés e, com os olhos cheios de lágrimas, disse:

- Papai passou mal no trabalho hoje de manhã, foi levado ao hospital, mas não resistiu.

Permaneci imóvel. Pedi a ela que me explicasse: “Não resistiu? Como não resistiu?” Ela foi direta:

- Papai morreu.

A morte é sempre trágica, é sempre forte. Não importa em qual circunstância, ela sempre nos arranca algo, lá dentro. Mas quando vem de forma abrupta, sem aviso, sem preparação, sem velhice, sem longa doença, quando vem aos 57 anos, atrapalhando os planos, abortando o churrasco de sexta, a conversa ao telefone e tantas coisas que protelamos por anos, tanto a ser resolvido, tritura um pedaço de nós.

A dor é um impacto, como se batêssemos violentamente contra um muro e só restasse o silêncio. Nenhuma palavra é forte demais para descrever o impacto, para quebrar a barreira do absurdo, do choque, a dor está além de qualquer verbalização, de qualquer vocalização, de qualquer lágrima, de qualquer gesto.

Não sei quanto tempo durou minha petrificação, as palavras de minha irmã reverberando em minha mente: “Papai morreu”, o espaço entre o ceticismo e o desespero preenchido pelo silêncio, como se buscasse a paz antes do desmoronamento, como se o tempo tivesse congelado para adiar o caos, enquanto a realidade, pouco a pouco, tomava forma em minha mente. Eu nada ouvia além do eco das palavras recém ditas: “Papai morreu”. “Não resistiu”. “Morreu”. “Morreu”. Então, subitamente, tudo voltou, em um ritmo alucinante, girando sobre minha cabeça, como se desabasse sobre mim o teto de minha própria vida, a tempestade, a realidade, o fim, a violência da morte, da ruptura.

A dor que mais dói não se pode sentir, é ausência, é silêncio. Amortece o corpo, entorpece os sentidos, por um instante que parece eterno. A emoção intensa imobiliza, seja ela dor, tristeza, medo, amor ou felicidade, emoções maiores do que podemos suportar causam um estranho efeito petrificante, até que o corpo consiga processar a informação e esboçar alguma reação coerente.

Em um segundo, o abismo que separa as emoções e as reações racionais torna-se quase palpável. E esse segundo, que arrasta-se por instantes intermináveis, talvez seja uma válvula de escape da qual nosso cérebro se utiliza…a ausência de reação normalizaria nossos batimentos cardíacos, nossa pressão sanguínea, colocaria nosso cérebro em ponto de partida, para que conseguíssemos, assim, sobreviver ao choque e nos reerguer. Ainda que a dor intensa, após o baque, seja quase física, o corpo sempre encontra um caminho para seguir adiante, obrigando a alma, devastada, a lutar.

Professor: Mario Corso

Exercício: Escrever um ensaio sobre o inefável, sobre um momento em que ficamos sem palavras para definir um sentimento. Utilizamos, como texto de apoio, o ensaio sobre a tristeza, de Montaigne

Data da aula: 16 de agosto de 2006

terça-feira, agosto 15, 2006

Tem Bicho no Dinheiro

Não é a primeira vez que um animal estampa uma cédula brasileira, a família de beija-flores que figura na nota de 1 Real já teve seus dias de desvalorização, no início da década de 90, impressa nas cédulas de cem mil Cruzeiros. Poderíamos pensar que o Brasil não valoriza seus heróis nacionais (quem são eles mesmo?) ao notar que apenas a cédula de 10 Reais comemorativa dos 500 anos do descobrimento, feita em polímero, traz a figura de um homem, Pedro Álvares Cabral. Essa cédula anômala também é a única a não ter a efígie da República que, aliás, já esteve presente, idêntica, na nota de 200 Cruzados Novos, no final dos anos 80.

O Brasil parece ter uma dificuldade enorme de se afirmar como um país em desenvolvimento, grande, urbanizado, com conteúdo e entrega-se facilmente ao comodismo de ser valorizado essencialmente por suas belezas naturais. O fato de ter em suas cédulas expoentes da fauna em detrimento de figuras humanas importantes, passa a infeliz imagem de que o Brasil é um país sem história, sem passado. Também passa, aos mais otimistas, a errônea mensagem de que o Brasil valoriza a natureza, visto que os animais estampados nas cédulas estão em franca extinção, sendo caçados e destruídos nos “risonhos lindos campos” floridos de nossa pátria.
Não podemos nos esquecer, porém, que à época do lançamento do Real não pegava bem estampar cédulas neste país. O Brasil passou muitos anos com inflação descontrolada, o que desvalorizava o dinheiro rapidamente (alguém se lembra dos famigerados carimbos que marcavam alterações no valor das notas?), era constrangedor e ultrajante figurar em cédulas desvalorizadas. Mais de uma vez a família de um “homenageado” negou a autorização ao Banco Central.

Hoje, com a economia estabilizada (pelo menos em comparação com o final dos anos 80 e início dos anos 90), a idéia de ter o rosto impresso em cédulas de Real não ofende ninguém. A hipótese de trocar os animais por ícones humanos foi pesquisada pelo Banco Central em 2005, mas ainda não se sabe se sairá do papel, ou melhor, se irá para o papel.

A explicação oficial do Banco Central é que o lançamento do Real foi de emergência e não houve tempo de negociar com parentes de personalidades. Então, mesmo sem a autorização dos beija-flores, tartarugas marinhas, garças, araras, micos-leões-dourados, onças-pintadas e garoupas, um representante de cada uma dessas famílias tornou-se a cara, respectivamente, das notas de 1, 2, 5, 10, 20, 50 e 100 Reais. “A cara”, literalmente, diz-se que no Amapá os índios reconhecem o dinheiro pelos animais que estampam as cédulas, assim, algo pode custar uma arara e uma garça (15 Reais), um mico, uma garça e um beija-flor (26 Reais) e assim por diante. Cá entre nós, seria interessante se os índios pudessem negociar pedindo três Monteiros Lobatos, por exemplo, por uma mercadoria, ao invés de três araras. Mas, pensando bem, haveria uma briga pelo direito de estampar as notas mais altas em detrimento das de menor valor.

Ter animais em uma das faces de nossas cédulas pode ter tanto uma conotação positiva quanto negativa, dependendo dos olhos de quem analisa a situação, mas o fato é que, em nossa selva urbana, dificilmente alguém presta atenção em quem aparece nas notas. Quem sabe seja mesmo uma forma de desvalorização e banalização atribuir um valor à imagem de quem quer que seja, talvez mais respeitoso seria homenagear a fauna brasileira e grandes nomes de nossa história e cultura estampando apenas símbolos, como a efígie ou o brasão da República e pinturas representativas de simbologia cívica. Assim, caso alguma desgraça se abata sobre nossa moeda novamente, ninguém terá seu nome (e seu rosto) manchado por um carimbo.

Professor: Mario Corso

Exercício: Escrever um ensaio discorrendo sobre a possível razão de nossas cédulas serem estampadas com figuras da nossa fauna em vez de com figuras históricas.

Data da aula: 09 de agosto de 2006

quarta-feira, agosto 09, 2006

Começando

Mais um blog. Não que eu não goste, muito pelo contrário, passei anos lutando contra computadores e internet, repetindo aos quatro ventos que eu odiava profundamente qualquer uma dessas ferramentas, escrevia textos enaltecendo a máquina de escrever, em detrimento do computador, que para mim era uma ofensa à verdadeira arte de produzir um texto.

Na minha cabeça jurássica, o computador era um facilitador e, assim, banalizava o trabalho que eu tanto prezava. É, eu sei, não faz o menor sentido, nunca fez, mas era uma boa desculpa para esconder meu medo da novidade. Eu gostava do som desafiador do “tec, tec, tec”, gostava de me sentir transgressora quando meu irmão acordava, bravo, reclamando do barulho que eu fazia a digitar. Pobre futuro médico, com aula marcada para a manhã seguinte, incomodado pela irmã ignorante que fugia da modernidade silenciosa.

Fui praticamente obrigada a mergulhar na era digital quando comecei a primeira faculdade, de jornalismo, no longínquo ano de 1999. No laboratório de redação, todo mundo integrado à nova realidade, exceto o fóssil que vos escreve. Um colega sugeriu, bem feliz, que entrássemos em uma determinada sala de bate-papo do UOL. Todo mundo, rapidamente, tratou de digitar o endereço e entrar na sala.

Olhei para o monitor, o monitor olhou para mim, eu não sabia o que fazer. Não sabia usar o mouse, não sabia onde era a barra de endereços, não sabia absolutamente nada. Foi traumático, até porque não pedi ajuda e ninguém se ofereceu para ajudar aquela alienígena que nunca tinha usado um computador em toda a sua longa existência. Eu era uma das mais velhas, com dezenove anos, e já deveria saber aqueles passos de cor e salteado.

Hoje sei que não perdi nada naquela noite, por não saber entrar em uma sala de bate-papo, mas para chegar nesse nível de compreensão das coisas, tive que descobrir como tudo funcionava. De lá para cá, deixei no lixo todo o meu preconceito contra computadores e internet, frequentei grupos de discussão, fui expulsa por escrever demais, criei o primeiro blog, depois mudei de servidor, criei o segundo, o terceiro, o quarto e virei uma espécie de viciada.

Conheci outros blogs, gente que também gostava de escrever e de literatura, fiz amizade com gente de outras cidades, conheci um rapaz muito criativo, que escrevia e desenhava em um blog sob um pseudônimo, me casei com ele e me arrependi profundamente de um dia ter praguejado tanto contra toda essa tecnologia que, inclusive, me permitiu fazer o curso dos meus sonhos. Se eu não tivesse enfrentado o computador e me familiarizado com todo esse mundo, não estaria em Porto Alegre, não teria conhecido a Paula, não teria recebido dela o email com o curso que ela achou a minha cara.

Portanto, seja bem-vindo o novo blog, estou certa de que ele abre, neste momento, uma nova fase da minha produção textual.